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3169E6, Era de Sombrata. Dia 18 de Fevereiro.

sábado, 19 de outubro de 2019

Dos Sentimentos de Aloys



Espírito Heroico

     Diante de seus olhos os penetras veem o farol que por tanto tempo parecia apenas um sonho distante. Todos sabiam que essa batalha decidiria provavelmente o destino de Sombrata, não... Wayland. Experientes como eram agora, o fantasma da morte os assombrava, sabendo que a qualquer momento poderia ser seu último suspiro. No entanto, apesar de qualquer medo que já tivessem tido do escuro, acreditavam que a coragem em seus corações fosse capaz de iluminar parte do mundo. Acendendo o farol, a esperança daqueles que desistiram de lutar, seria revigorada. Uma equipe formada por pessoas tão diferentes... Que grupo seria melhor para tal missão?
     Quem melhor para enfrentar o medo do que o determinado e forte guerreiro do norte, capaz de desafiar até mesmo um guardião.
     Quem melhor do que o paladino de Daarth, que com sua fé inabalável no correto, foi capaz de enfrentar seu próprio Deus.
     Quem melhor que um Orc nascido na era das sombras, mas que era capaz de lutar contra sua própria espécie e negar tudo que se tornaram.
     Quem melhor que o flautista, que mesmo tendo sido tocado pelas trevas, ainda tenta bater suas asas e voar mais uma vez.
     Quem melhor que a feiticeira, a prodígio em sua área, que nasceu com poderes avassaladores, mas tem a humildade de buscar o conhecimento.
     Quem melhor que o capitão pirata, astuto guerreiro do mar, que assim como em uma embarcação, está enfrentando a maior maré que a tempestade trouxe para sua vida.
     Quem melhor que o pequenino, com uma coragem maior que qualquer gigante que pisou nessas terras.
     Quem melhor que o mago, que como o mais antigo do grupo, falhou inúmeras vezes em proteger seus irmãos de guerra, mas espera uma chance de se redimir.
     Quem melhor que a bondosa Deusa, que apesar de sua bondade, carrega uma escuridão gigantesca em seu coração.
     Um grupo tão poderoso, mas também tão fraco; cheio de falhas, mas também com muitos acertos; que está sempre brigando, mas é extremamente leal. Aliados, amigos, irmãos... irmãos que estão dispostos a sangrar uns pelos outros e completar a difícil missão. Com seus corações em um ritmo ressonante após enfrentar poderosos dark elves, diferentes de todos que viram até hoje, resolvem ir logo para o farol, preocupados com o que Draven poderia estar fazendo lá, a cada minuto que passava.
     Eles contavam com a ajuda de um, apesar da idade, poderoso aliado de apenas 13 anos. O garoto era ambicioso, assim como o coração de todos os penetras. Mesmo com os apelos de Lyra, o menino chamado Katzar não teve dificuldade para ser aceito no grupo, que mais do que nunca, precisaria de toda força que pudessem dispor. No entanto, Cael, após sua reza, tomou uma difícil decisão. Ele que talvez seja o que mais se importa em proteger seus aliados, não iria participar da jornada dentro do farol. Ele tinha uma batalha iminente com um poderoso inimigo, esse que no passado foi empalado por sua lança. Enfrentar tal inimigo sozinho e com a carência de um Deus olhando por si, mostra sua determinação tornando-o alguém além de um simples paladino devoto a deuses, mas sim um paladino de Wayland. Se um dia achava não ser merecedor do título “Cavaleiro de Albrieth”, nesse momento ele já era um.
     Após a separação e quase divina música de Marbas, capaz de curar até mesmo as feridas do coração, os penetras adentraram o farol onde em sua base descansava um altar. Nele havia um cristal com uma semelhança assustadora ao antigo fragmento que continha o poder da deusa. Mesmo com toda a incerteza, todos tocaram-no com sincronia perfeita, sendo enviados para algum lugar.
     Aloys... não... Eu... Acordei em uma sala que brilhava dourado, suas paredes eram todas feitas de ouro. Preocupado, olhei para os lados e para minha alegria e ao mesmo tempo tristeza, apenas Bo buxoa estava comigo. Sem tempo para entendermos o que estava acontecendo, do pilar central da sala onde havia desenhos em perfil de jacob e katzar, uma máscara apareceu e disse:
     - Bem-vindos, a Juiz executado, essa é a sala onde serão julgados.
     Sua voz era extremamente mecânica. Ela não apresentava nenhum sentimento ou desejo próprio. Lembrava-me os malditos constructos, que eram mais chatos que Rurik quando vê homens musculosos.
     - As decisões tomadas aqui, irão afetar as outras salas, e aqueles que nelas se encontram. – Continuou ela.
    Dito isso, desapareceu e onde ela estava, apareceu um cavaleiro... não! Acredito que fosse um paladino, mas não qualquer paladino, ele era um paladino de Daggodar e Sacerdote. Ele estava com uma flecha cravada em seu corpo e aparentemente só tinha alguns minutos de vida.
     O paladino começou a contar uma história que terminava em uma tragédia, na qual uma moça morria no final.
Principe Fernand é perdidamente apaixonado por Dianys. Mas ela não o ama. Um dia, Fernand vai ao Rei e pede a mão de Dianys em casamento. Dianys implora ao rei para que não a case com Fernand, mas o Rei ignora seu apelo. De acordo ao protocolo real ele deve dizer sim a união. Eles se casam e Fermamd leva Diana de volta para seu reino. Aquela noite ele tenta consumar o casamento, mas Dianys, perturbada, escapa. Ela corre da segurança do castelo pelos campos, ignorando o sinal que alerta sobre perigo que lá havia. Naquele campo há um touro, que, ao ver a moça, a ataca. Ela cai sobre seus chifres e é morta instantaneamente.
Sem cabimento nenhum, e provavelmente o motivo de eu odiar a maioria dos paladinos, ele pergunta:
     - Quem é o culpado da morte da moça? Ordenem do mais culpado ao menos culpado.
     - Não irei julgar, deixarei para os juízes infernais decidirem, não sou ninguém para escolher – Falei com um gosto amargo na boca.
     Ele mais uma vez enfatizou que precisávamos escolher, tinha que completar seu trabalho de paladino uma ultima vez. Viver a vida sendo comandado por outros é algo ridículo, usar o livre arbítrio para limitar a própria liberdade é quase paradoxal. No entanto, Bo Buxoa escolheu quase que aleatoriamente uma ordem, mas acentuou o ponto onde achava que a moça era culpada por sua própria morte.
     Com a escolha feita, o paladino desapareceu, e de um local da sala que não tinha visto, surgiu uma criatura onde havia a imagem de uma moça sorridente. Aquela criatura eu não confundiria mesmo que estivesse a um quilômetro de distância, era uma Banshee. A mesma criatura que levou de nós na última empreitada na cidade dos elfos. Não sei se foi a vontade de Wirenth, mas senti que Alvorada deu uma leve piscada em sua lâmina, enquanto Bo Buxoa segurava ela apontada para a Banshee.
     Naquele momento pensei que sentiria raiva, mas o único sentimento que senti foi compaixão. Banshees são criadas através do desespero, amaldiçoadas, e além de todo desespero da moça, nós escolhemos ela como culpada de sua própria morte. Nesse momento agi de um modo extremamente diferente do que normalmente ajo, deixei toda cautela de lado e fui até ela. Chegando perto dela disse:
     - Eu sou o touro que lhe matou, o rei que a condenou e o homem que a amou – ela prendeu a atenção em mim, enquanto eu falava – descarregue toda sua raiva, rancor e descontentamento em mim, eu aceitarei tudo e não levantarei minha mão contra você – dito isso, abri os braços.
     Ela parecia confusa. Tentou mais de uma vez me atacar e não conseguia, até que por fim conseguiu, mas sua força estava extremamente reduzida. O corte em meu peito doeu, mas a cada segundo que suas unhas passaram em minha carne, eu pude sentir como se fossem lágrimas derramadas por ela, então as aceitei sem mexer um músculo.
     Para minha surpresa, Bo Buxoa que aparentava não gostar muito de mim, gritou:
     - Aloys! Eu vou protege-lo!
     Ele correu em direção a Banshee com Alvorada em punho, reluzente como nunca, e estava pronto para ataca-la. Quando passou por mim, falei:
     - Não se esqueça, “estamos sendo julgados”.
     Ele parou e permaneceu alguns segundos hesitante, mas em seus olhos eu podia ver a pureza e determinação de alguém que queria proteger um amigo.
      Alvorada desceu e com uma luz tão brilhante quanto a aurora ao subir do sol nas primeiras horas do dia, ceifou a criatura em forma feminina.
     - Obrigado por me defender Bo Buxoa, eu estava pronto para morrer – falei.
     - Salvei você mais uma vez mago, não se preocupe, eu estou aqui – disse ele como sempre, apesar de ser a primeira vez que isso realmente acontece.
     Uma chave dourada surgiu em minha mão. Ela provavelmente era nossa porta de saída dessa sala, mas antes que pudéssemos entender como ela era usada, um colar surgiu no chão, no local onde a banshee havia morrido. Quando peguei, percebi que ao abrir ele havia uma foto, mas não gosto de lembrar de coisas assim.
     - Bo Buxoa, você deve saber disso, mas... – falei ainda olhando para a imagem – esse mundo não há justiça – completei cuspindo no chão, com nojo da realidade. Para nossa surpresa ao falar isso fomos sugados para algum lugar que acredito ser uma memória, pois as pessoas que víamos não pareciam nos ver.
      Nela vi alguém escrevendo em um pergaminho gigante. Ele terminou o pergaminho escrevendo um último parágrafo:
 Na praia onde antigos deuses sucumbiram frente aos escolhidos pelo Senhor do Universo jaziam as tropas de Shinkun em ansioso aguardo a chegada de Adrian e seus aliados para a batalha que decidiria o final da 4ª Era.”
      Ao colocar as últimas letras ele disse a mesma frase que eu falei antes de vir para essa memória “Nesse mundo não há justiça” e colocou seu nome “Tyrannuz, O escriba universal”.
   Fomos levados para outra sala do farol. No entanto, o deus dos teleportes, se é que existe um estava com vontade de brincar comigo, pois fui puxado para outro lugar, deixando Bo Buxoa para trás...
     Na segunda sala, outra dupla estava sendo testada, Myphir e o cavalo do norte acordaram, assim como eu, em uma sala toda feita de outro, mas com suas devidas peculiaridades. No centro, onde descansava o pilar na primeira sala, havia um colosso dourado segurando uma espada. Não sou um amante de espadas, mas ela aparentava ser uma montante para ele, enquanto que para Myphir devia parecer um prédio. Ele de pé era do tamanho da sala e sua espada tão grande quanto.
     A máscara surgiu pela primeira vez para eles advinda do rosto do colosso dourado dizendo:
     - Bem-vindo, a Executor da Sentença.
     Após isso ela sumiu, assim como fez na primeira sala. Só que dessa vez não foi um paladino que surgiu, e para desgosto de qualquer pessoa usuária de magia ou não, o colosso começou a se mexer. Ele teve que se abaixar e começar a girar sua espada para que conseguisse lutar. A dupla composta por coragem e violência, no mesmo momento entendeu o que precisavam fazer.
     Placas de pressão estavam presas ao chão por engrenagens, no entanto, apenas algo realmente pesado fariam elas se mexerem. Eles fizeram uma pequena troca de palavras e começaram sua empreitada.
     Rurik por ser o mais resistente chamou a atenção do colosso para si e com isso fez a primeira placa de pressão ser pressionada, mas isso não saiu barato. Um golpe que faria a maioria dos guerreiros tombar com apenas a força do vento, acertou em cheio Rurik que aguentou com toda força de sua ira sem fraquejar.
     O plano era atrair a estátua e por isso Myphir ficou mais na defensiva, esquivando praticamente de todos os golpes, no entanto, Rurik não nasceu para esse tipo de estratégia. Ele a encarnação da violência e da batalha não seria derrotado por um gigante dourado sem lutar, então decidiu fazer uma ação que apesar de imprudente, fez toda a diferença. Ele desistiu de toda sua defesa e resolveu partir para o ataque, e não com seu machado como de costume, mas com apenas a força bruta. Usando toda a força que anos de treino o deram ele empurrou o gigantesco colosso, algo que parecia ser impossível e com isso pressionando a segunda das quatro placas de pressão.
     Mais uma vez essa manobra arriscada não saiu barato, e por ter desistido de toda defesa, o segundo ataque veio seguido de vários outros. Os golpes foram tão pesados que fizeram o chão tremer, mas o bravo guerreiro ainda continuava de pé, só que dessa vez apenas com a força de sua vontade, pois seu corpo já havia chegado ao limite...
     Paralelamente em outra sala Jacob e Katzar, os dois novos integrantes, jaziam em uma sala octogonal só que dessa vez não era dourada, mas sim feita de mármore. Ela aparentava ser maior que as outras e tinha algo que mostrava todas as outras salas em tempo real. No centro surgiu mais uma vez a máscara, mas dessa vez do tamanho de um rosto humano.
     - Bem-vindos, a Arquiteto do Corpo – disse ela.
     A máscara aparentava possuir rachaduras, e pela primeira vez vimos o resultado das orações de Draven que ressoavam em todas as salas. A máscara explicou ao garoto e ao pirata as regras dessa sala. Eles poderiam trocar as pessoas de lugar de acordo com sua vontade, deixando os dois confusos e indecisos.
     Enquanto as duvidas tomavam suas mentes, o arauto da Penumbra apareceu diante deles pela primeira vez. Eles não o conheciam, mas já haviam ouvido as histórias dos membros mais antigos que enfrentaram ele. Sabendo que seria uma batalha difícil o astuto ladino desferiu golpes precisos em Draven que mesmo parecendo ser feito de sombras, sentiu todas as perfurações da rapieira.
     A batalha durou alguns segundos, mas o perigo de morte era real, Jacob sabia que não poderia vencê-lo, mesmo com a ajuda de Katzar, então tomou a decisão:
     - Troque Draven com o mago, ele saberá o que fazer – disse Jacob.
     Como um comando universal Draven sumiu dali e apareceu na sala onde estava Bo Buxoa e para minha surpresa eu apareci diante de Jacob e Katzar. Jacob deu uma rápida explicação dos acontecimentos e como a sala funcionava. Tendo pouco tempo para escolher, o que prendeu minha atenção foi a sala onde Lyra estava. Ela lutava com um Dragão gigantesco que aparentava ser feito de sombras, e para meu desgosto não estava levando a melhor. Vingança, dor, desespero, tristeza e vários outros sentimentos negativos pude ver expressados em seus olhos o que fez algo vir em minha mente como um presságio... “Ela vai morrer”.
     Olhei para Jacob e entreguei o colar que havia pegado da Banshee. Ele havia virado uma chave depois de ter visto a memória de Tyrannuz.
     - Pegue isso, essa é a chave para trocarmos de sala, use-a se precisar chegar no braseiro e o acenda com a Lyra – falei
     Jacob aparentava estar atordoado devido a sucessão de acontecimentos, mas ele é alguém em quem podemos confiar quando precisamos. Ele pegou a chave e eu pedi a máscara que me trocasse de lugar com a Lyra, e essa foi a pior decisão que já tomei em minha vida...
     Na sala onde Myphir e Rurik se encontravam faltavam apenas duas placas de pressão para serem pressionadas, mas rurik estava em más condições, então Myphir chamou a atenção do colosso. Ele foi até Myphir que com muita maestria desviou de mais um ataque e continuou atacando o colosso como podia. Rurik com o que sobrou de suas forças tentou mais uma vez empurrar o colosso. Sua força parecia não ser o bastante, mas milagrosamente o gigante começou a ser empurrado.
     Cada passo que Rurik dava para frente parecia que os espíritos de seus ancestrais o estavam apoiando. A fúria de Rurik foi dão potente que conseguiu mover o colosso, fazendo-o pressionar a terceira placa de pressão.
     Exausto, Rurik estava a ponto de cair a qualquer momento. Sabendo do que viria a seguir. A espada do colosso estava erguida com o intuito de fazer sua função, que assim como o nome da sala, iria executar seu inimigo.
     Sem forças para mover seu corpo, o bárbaro, olha uma última vez para seu irmão de guerra Myphir. Seus olhos estavam cheios de convicção e um sorriso foi desenhado em seu rosto, como alguém que conseguiu conquistar tudo que sempre quis. Ele baixou a cabeça deixando seu pescoço amostra, aceitando seu destino. A espada desceu e decapitou Rurik numa velocidade assustadora.
     Nesse momento o primeiro penetra, sucumbiu...
     - Rurik! – Gritou Myphir.
     O corpo de Rurik desapareceu da sala, sem deixar sinal de onde foi parar. A sala inteira e o colosso brilharam fazendo sumir sua espada e transformar-se em soqueiras. O colosso então com nenhum sentimento aparente, virasse para Myphir e começa ir em sua direção.
     Antes do corpo desaparecer Myphir pôde ver os ancestrais do nortenho junto a seu corpo, tornando a cena ainda mais significativa. Com um ataque poderoso provindo da ira do homem que viu seu aliado cair, mas com a determinação de alguém que tinha uma missão a cumprir, fez o colosso cambalear apertando a última placa de pressão.
     Nesse momento o colosso desapareceu e uma chave surgiu de onde ele estava, ele havia vencido o desafio, mas valeu apena?
     Na sala onde Jacob estava, Lyra surgiu ainda com posição de combate.
     Assim como eu Jacob finalmente entendera os motivos por trás das atitudes de Lyra. Era algo que estava cravado bem fundo na Deusa, em seu amago, um sentimento que o pirata conhecia bem. Vingança.
     Ele se perguntava como divindades poderiam ter tais sentimentos
     - Lyra – murmurou o pirata enquanto se a aproximava da loira –, está tudo bem.
     - O que vocês fizeram! – falou ela aparentando quase desespero.
     - Aloys trocou de lugar com você – disse Jacob.
     - Não! Eu tenho que voltar! – disse ela.
     - Me fale o que preciso fazer que eu farei Lyra – falou Jacob com sua rapieira em mão.
     Ela falou que o braseiro precisava ser acesso e deu a lamparina para Jacob entregar a Myphir. Depois pediu para a máscara trocar de lugar comigo outra vez, mas ela não esperava que poderia me vencer em um teste de inteligência, não é? Apesar de achar, que o que falou mais alto em minha decisão foi burrice...
     Na sala onde Bo Buxoa e Draven estavam, havia um caldeirão e lá formaram uma aliança para saírem dali. Draven claramente poderia ter matado Bo Buxoa, mas aparentava ter planos melhores. Bo Buxoa por não o conhecer acreditou em suas palavras e o ajudou para que os dois saíssem da sala. Vencido o desafio uma chave surgiu e os dois foram em direção a sala Arquiteto do corpo.
     Ao trocar de lugar com Lyra, esperava ver o mesmo dragão que ela estava enfrentando, no entanto, o que vi foi apenas escuridão. Era algo tão claustrofóbico que fazia-me sufocar, o medo tomou meu corpo achando que ficaria lá sem uma chave para voltar ou um parceiro para me ajudar, eu estava sozinho.
     A solidão em toda aquela escuridão não parecia muito agradável, mas assim como o destino pode ser cruel, havia mais “alguém” comigo. Olhos amarelos na escuridão começaram a se aproximar de mim. Eu já havia visto aqueles olhos antes, mas dessa vez ele estava ali, deixando meu corpo todo tremendo. Achei que quando chegasse a hora conseguiria enfrentar aquela coisa, no entanto, apenas de olhar eu sabia que não havia a menor chance de vencê-lo.
     Li certa vez uma frase que dizia “Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”. Era assim que me sentia ali, olhando para o abismo e ele olhando para mim.
     Quando eu estava quase entregando-me ao mais puro medo, sem ter um lugar para fugir, eu lembrei-me dos meus antigos companheiros que caíram. Todos sucumbiram em missões para chegar nesse momento e eu não aguentava mais perder mais ninguém. Esse foi o motivo de eu ter trocado com Lyra, seus olhos tinha uma vingança que certamente a mataria e não posso permitir isso, então tentei um trato com a escuridão.
     - Vamos fazer um trato – comecei – faça com que Lyra não possa trocar comigo. Ela provavelmente é bem mais problemática que eu para você, então faça isso.
     A figura sombria balançou a cabeça em negação o que me fez tentar outros tratos, mas todos foram negados. Não sei o motivo dele negar todos eles, mas isso me fez ficar sem ideias. Quando estava quase desistindo pensei em algo louco, mas que poderia dar certo. Coloquei a espada de Bo Buxoa que estava comigo em meu pescoço e disse:
     - Se você não quer negociar – os olhos dele pela primeira pareciam curiosos, de um jeito inocente, e isso me deixou intrigado – eu farei isso sozinho...
     O medo era real, mas uma imagem da minha mãe com um sorriso apareceu diante de meus olhos e nesse momento todo meu medo se foi. E com convicção um sorriso em meu rosto se abriu e tirei minha própria vida...
     Na sala onde estava Jacob e Katzar, Lyra surgiu ao mesmo tempo que Myphir.
     - O que aconteceu? – falou ela.
     Olharam para a sala onde eu estava e lá viram meu corpo caído e sem vida. Nesse momento entenderam que se não havia ninguém para trocar, não teria como ela voltar para lá.
     Com desgosto Lyra foi obrigada a aceitar a realidade, mas isso não estava indo bem em sua cabeça. Jacob tentou ajudar a deusa do jeito que podia de um jeito que talvez nem ele mesmo soubesse que poderia.
     - Lyra – murmurou o pirata enquanto se aproximava dela –, está tudo bem.
     Com passos suaves e braços abertos ele se dirigiu até ela e há abraçou.
     - Não é sua culpa. – Falou em um tom que só ela poderia escutar – Eu entendo Lyra, você se culpa pela morte deles, pensa que suas ações não foram suficientes para protege-los, se fosse mais forte talvez eles estivessem aqui, se tivesse agido de maneira diferente eles não teriam sido levados, se... – A voz do rapaz some aos poucos.
     Ele que estava a alguns dias aproveitando sua vida de pirata, agora estava em torno de magias que acreditava estarem extintas.  Mesmo assim, delicadamente ele segurou o rosto dela e olhou em seus olhos, que estavam marejados em lágrimas. Esse choro que estava a muito tempo guardado dentro de si foi descarregado como um rio, descarrega suas águas no mar. Ela finalmente tinha entendido que agora ela é uma de nós. Podemos não ser os antigos deuses, mas ela pertencia aos Penetras e todos conseguiram fazê-la entender isso. 
     Jacob pega a lamparina que a Deusa havia deixado com ele, juntamente da chave dourada que eu havia lhe confiado antes de desaparecer.
     - Vai precisar dessas coisas. – Disse Jacob entregando os pertences para a Lyra.
     Ela levanta a cabeça como se pela primeira vez depois de ter saído do cristal estivesse vivendo, e vai em direção a sala do braseiro, mas os planos foram arruinados devido a chegada de Bo Buxoa e Draven.
     Sabendo que foi enganado, Bo Buxoa prolifera seus adorados xingamentos contra ele e coloca-se em posição de combate. Todos na sala ficam prontos para o combate iminente.
     Fora do farol, uma batalha estava sendo travada contra os monstros da Penumbra. O bárbaro que caíra, queria levantar-se mais uma vez como se a guerra o chamasse para mais um combate.
     Rurik levanta-se e percebe que eu estava caído um pouco mais distante dele. Segurando minha cabeça e dessa vez sem tapas, ele usou uma poção para me trazer de volta. Acordei quase não conseguindo me mexer e olhando para Rurik percebi que ele estava na mesma situação.
     Nós nos olhamos e sabíamos que precisávamos voltar e com a chave que ele conseguiu na torre, usamos para voltar ao combate, cambaleando, mas felizes por termos mais uma chance de lutar...

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Das Lembranças de Miphyr




Batedor e o Besouro

     - MIPHYYR... NAFYNN... VENHAM TOMAR O DESJEJUM!! - gritou lá de baixo Nagwen Miryfin, a irmã mais velha entre os 5 irmãos, segurando em uma mão a leiteira com leite quente e mexendo com a colher o omelete que ficava pronto na panela com a outra.
     - JA ESTAMOS DESCENDO - respondeu Nafyn - então é hoje que vocês vão ir pra Seraph Woods "caçar"? - se dirigindo a Miphyr enquanto desciam as escadas.
     - Shhhh! Não fale sobre isso aqui dentro sua idiota, Mirkuh tinha dito que ouviu três viajantes falando na estalagem ontem, que iam comprar joias e peles de animais e seguiriam viagem por lá e ninguém pode saber que vamos para lá hoje. Certamente eles não sabem andar por lá melhor que eu e Mirwall, vamos ser rápidos e rasteiros, nada de ruim vai acontecer, mas agora fique quieta!
     - Grosso! E eu vou junto!
     - Não vai não! Shhh! - sussurrou Miphyr - Bom-dia maninha querida, o que tem para comer? To morrendo de fome!! - adentrando na cozinha e sentando a mesa.
     - Tem pão, cogumelos, omelete, chá e leite quente. Seus irmãos já acordaram há muito, Mirkuh foi para biblioteca e Mirwall tá lá fora afiando as adagas e flechas. Vocês realmente vão roubar aqueles burgueses mesmo? - pegando Miphyr de surpresa.
     - Como você sabe?? Mirwall falou??? Por favor não conte pra ninguém Nagwen, eu vou trazer um colar bem bonito pra você!
     - É obvio que não vou falar nada e também é obvio que você vai trazer um colar E umas luvas de raposa pra mim. Vocês não me tem como tola né? Vocês já vem fazendo isso há algum tempo, só lhes digo para tomar cuidado com quem vão roubar e nunca roubem de quem precisa mais que a gente, sejam cuidadosos por favor. - respondeu ao mesmo tempo que colocava leite quente na xícara dos três e servia o omelete.
    - Sempre somos cuidadosos, eles só descobrem que foram roubados depois que acordam e aí já é tarde demais. - Miphyr dá um olhadela sobre os ombros pra ver se ninguém estava por perto e conta para as duas, diminuindo o tom de voz - enquanto Mirkuh fica distraindo o restante da família, eu e Mirwall vamos sair no entardecer e começar a seguir os viajantes, quando eles montarem acampamento iremos esperar até irem dormir, iremos pegar o que conseguir e dar o fora, Hera vai junto, mas você não vai Nafyn, você tem que ajudar o Mirkuh durante nossa saída. - então um besouro enorme sai de dentro das vestes de Miphyr, parecia feito de esmeraldas, seu chifre vermelho rubi era enorme e quase duas vezes o seu corpo - essa é Hera, achei ela na floresta umas semanas atrás, depois que vi ela matando uma centopeia que entrava nas minhas botas decidi que iria cuidar dele ou dela, não sei diferenciar o sexo de insetos.
     - Espero que esse bicho asqueroso nunca chegue perto de mim Miphyr... Tudo bem irei ajudar Mirkuh mas também quero uma parte do que vão roubar - e Nafyn sai acompanhada de Nagwen.
     - Não escute ela, você não é asqueroso - enquanto comia seu desjejum e o enorme besouro parado na sua cabeça abria e fechava suas asas.
     - MIPHYR, VENHA AQUI ME AJUDAR! - Mirwall o chamava lá fora, ele então vai e ajudando seu irmão com as tarefas, aguarda ansiosamente o dia chegar ao fim.
    
     O sol começa a descer no horizonte, os preparativos para "a caça" estão finalizados e os dois então partem para a entrada da floresta enquanto aguardam os tais viajantes fazerem suas compras e se dirigirem para lá. Mirwall Miryfin era o halfling mais alto que Miphyr já tinha visto, cabelo e olhos castanho claro, brincos na orelha de ouro que outrora pertenceram a algum irmão ou filho de seu avô, Gimb Miryfin, ele então estufa o peito e começa:
     - O negócio é o seguinte, roubar sem matar, não esqueça da primeira regra! Se matarmos todos que roubamos, não teremos quem roubar depois e aí teremos que trabalhar na terra, e eu não pretendo trabalhar na terra, quero ser maior que nosso avô! Só mate se for preciso, pior que trabalhar na terra é estar morto ou preso... Vamos segui-los por cima das arvores, esperaremos eles dormir, distraímos o que ficar de guarda com algum som de animal, roubamos e vazamos fora, entendeu?
     - Claro que sim, com certeza não teremos que brigar, parece que os viajantes são dois humanos que passaram a semana bebendo cerveja e falando alto na estalagem da tia, espero que suas cabeças estejam cheias de cerveja do mesmo jeito que a barriga enorme deles.
     - Hahaha, então irei ter acordado cedo em vão, ótimo! Vamos pôr o plano em pratica.
     Tudo inicialmente acontece exatamente como eles planejaram, os viajantes chegam com enormes sacas cheias de pele de animais, um saco menor aparentemente cheio de moedas ou joias, falando alto meio bêbados nem percebem que estão sendo seguidos pelos halflings da família Miryfin. Passando duas horas de caminhada dentro da floresta, para a surpresa dos jovens ladinos, eles chegam numa espécie de acampamento, estão sendo aguardados por um terceiro homem, careca e com uma cicatriz no rosto que não possuía o olho direito.
     - FINALMENTE CHEGARAM, SUAS TOPEIRAS! QUE DEMORA DO CARALHO! Espero que tenham enganados aqueles idiotas com as moedas falsas.
     - Claro que sim, compramos tudo usando essas moedas que você nos deu e eles nem perceberam hahahaha, nem tivemos que roubar as peles e joias - o mais jovem dos homens, Peter, pega as sacas e põe numa das barracas - acamparemos aqui, já que não fomos seguidos vamos comemorar o golpe de hoje e partirmos daqui antes que a família descubra e lance uma maldição na gente.
     - Que maldição? Você devia estar preocupado é com os virotes e adagas que os descendentes de Gimb vão querer usar na gente quando descobrirem que – ele põe a mão dentro da mochila e retira uma capa – roubamos a capa do antigo rei HAHAHAHA!
     Miphyr e Mirwall trocam olhares num misto de raiva e surpresa, como eles conseguiram roubar a capa de Gimb? Isso não importava agora, já que vão roubar eles, é só pegar a capa junto. Eles não contavam com a presença de um terceiro viajante, mas se ele for mais um bêbado e burro como os outros dois, não mudaria quase nada do planejado.
     De cima da árvore eles observaram durante um par de horas os homens beberem cinco cantis de cerveja, comeram carne de cervo e então foram dormir, Mirwall então começa a descer a árvore e Miphyr o acompanha, chegam silenciosamente na entrada da barraca com os espólios e no momento que abrem a barraca, a visão deles escurece...

     - EU SABIA QUE VOCÊS TINHAM SIDO SEGUIDOS! SEUS PASPALHOS! – Miphyr, com a cabeça latejando e com algo úmido escorrendo da sua testa se vê amarrado ao lado de seu irmão, que também possuía sangue escorrendo da cabeça – ora, ora, os ladrõezinhos resolveram acordar – desferindo um soco no rosto de Mirwall – acharam que conseguiriam roubar do meu bando de novo jovem Miryfin? Dessa vez compramos várias joias com dinheiro falso e ainda roubamos a capa de seu avô, acharam que iam conseguir pegar ela de volta e roubar o que compramos, não é??
     - Nós... nem sabíamos que a capa... havia sido roubada... – e tosse sangue – nos deixe ir embora e podem ficar com ela, só não machuquem meu irmão.
     - HAHAHAHA! Na verdade, iremos pegar dois coelhos com uma cajadada só! Iremos matar os descendentes de Gimb e ainda ficaremos com seus espólios! Mas vejamos isso aqui – ele então tira de dentro da barraca Hera – quer dizer que o pequeno pequenino possui um insetinho de estimação? Essa praga tentou me cravar seu chifre quando fui tentar amarrar você, sabia?! – Oxyman então põe o inseto no chão, que começa a caminhar em direção de Miphyr.
     - Não a machuque, seu careca! Seu problema é com a gente não com Hera.
     - Essa bostinha tem um nome então, vejamos se ela consegue se defender, já que não conseguiu te defender.
     Ele então dá um pisão com toda força em cima de Hera, começa a pisar e pisar.
     - NÃAAAAAAAAO!! – Miphyr começa a gritar com os olhos cheios de lagrimas.
     - PISA BEEEMMM! AMASSA COM VONTADE OXYMAN! HAHAHA – Peter ria e gritava junto.
     Oxyman para de pisar, o corpo de Hera nada mais era que restos de um inseto que vivera algum dia e que agora seria alimento para insetos menores que habitavam Seraph Woods – é, pelo jeito não conseguiu se defender HAHAHAH!
     - Você vai pagar por isso, SEU CARECA CEGUETA! – Miphyr consegue tirar os nós da corda que o prendiam, saindo correndo na direção de Oxyman ele puxa a adaga que os ladrões não acharam escondida, pois Hera havia chamado a atenção para si. Miphyr, ágil como um gato voa com a mesma e crava ela diretamente no olho esquerdo de Oxy, que cai duro para trás. Sem reação, os dois bêbados são muito lentos para perceber que era tarde demais, que Mirwall estava solto e já tinha pego a pequena lâmina que Miphyr jogara para ele. Ele mata os dois rapidamente, Miphyr nunca vira seu irmão utilizar de seu treinamento tão eficazmente em uma briga.
     - Ele... ele... matou meu amigo, eu tive que matar ele, me desculpe Mirwall... – ele então cai de joelhos na frente dos restos e começa a chorar novamente.
     - Temos que ir embora Miphyr, pegue o quanto de joias conseguir, eu vou levar a capa e as peles – ele olha e não vê seu irmão reagir – Vamos rápido, tenho certeza que nosso irmãozinho tá aprendendo algo lendo aquela quantidade de livros, talvez ele possa ajudar, agora VAMOS!
     Ainda choramingando, eles pegam tudo que conseguem levar e vão em direção a cidade, a ferida no coração de Miphyr doía mais que a paulada que levou na cabeça.
     - Certeza que ele vai achar algo pra ajudar Hera. – Mirwall consolava Miphyr.
     - Mirkuh é só uma criança de 9 anos, só porque ele passa o dia todo lendo não significa que ele consiga trazer meu amigo de volta... de volta a vida...
     E Miphyr não estava completamente errado, nesse período Mirkuh não tinha o poder de trazer os mortos de volta a vida, pelo menos não naquela época...

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Das Cartas de Jacob



Um dia refrescante


Acordei com o calor suave do sol entre as cortinas do quarto. Olhei para o meu corpo e vi algumas ataduras, ervas medicinais e umas roupas que eu não conhecia a origem. A última coisa que eu me lembro era a tempestade e uma gigantesca onda engolindo o convés do navio
          Em meio a tropeços e com certa dificuldade consegui me levantar, um dos meus braços estava completamente enfaixado e com uma tala, se acabasse me metendo em alguma confusão iria apenas dispor da mão esquerda.
          Assim que me aproximei da porta, escutei um som vindo do andar abaixo, abri ela lentamente e com passos leves me esgueirei pelo corredor, chegando perto da escada percebi que era uma música, Amor distante. Eu tinha familiaridade com algumas canções graças aos ensinos da Betty, uma barda que era parte da nossa tripulação no navio Asas do Oceano.
          Diferente do que muitos tem na cabeça, Amor distante não é sobre uma história triste, mas sim sobre a vontade que uma mulher tinha em trazer de volta a vida o seu falecido que havia sido levado pelo mar.
A melodia era encantadora e hipnotizante, sem perceber andei até o andar em que a música estava sendo tocada. Este foi o nosso primeiro encontro.
          Lá estava ela, dedilhando sua harpa com a mesma maestria que um alquimista em seu laboratório, sua voz era doce e encantadora, seus olhos âmbares e mais vastos que o oceano, uma pele lilás e brilhante, no topo de sua cabeça um par de chifres pequenos.
Seria irônico dizer que sua apresentação era divina, já que ela era claramente uma tiefling, lembro que quando pensei isso eu esbocei um leve sorriso e fiquei lá imóvel observando a jovem, parecia ser um pouco mais velha do que eu, talvez ela tivesse uns dezoito ou dezessete anos?
Me lembrei de um ditado que uma vez escutei; meninos espicham e mulheres amadurecem.
          - Gostou do espetáculo?
Meu transe foi quebrado pela pergunta, não sei quanto tempo passei ali vendo a garota, mas esqueci de fechar a boca e agora ela estava seca.
          - É claro - respondi ajeitando a minha postura e me escorando na parede próxima - Eu vi que estava tocando sozinha e não queria atrapalhar.
          Ela deu um leve sorriso, se virou para a harpa e começou a arrumar as suas coisas, notei que o estojo era feito de um couro mais pobre e remendado, mas isso não roubava o seu charme.
          Era admirável a forma como ela tratava o seu instrumento, parecia uma mãe segurando o seu bebê.
          - Como está seu corpo? - perguntou a garota ainda de costas arrumando a harpa.
          - Eu estou bem, mas que lugar é...
          - Nibiru - respondeu me interrompendo -, estava voltando do mercado com algumas coisas e quando olhei para a praia, lá estava você atirado no meio da areia e bastante machucado por sinal.
          - Acho que devo te agradecer pela...
          - São cinco moedas de prata pelos remédios, hospedagem e mais uma pela performance particular - comentou ela enquanto fazia os cálculos com seus longos e finos dedos.
          - Como pode ver eu não tenho dinheiro algum! - retruquei colocando as mãos em meus bolsos e os puxando para fora.
          Ela se levantou e andou até o balcão do bar, guardou seu estojo com a harpa em algum lugar, pegou dois copos e uma garrafa com um líquido amarelo.
          - Por conta da casa - disse ela com um sorriso perverso.
          Me sentei no bar lentamente e tentei cruzar as pernas, mas eu ainda estava dolorido e a princípio o efeito das ervas para dor havia passado. Me concentrei para não esboçar dor alguma, mas escutei um riso vindo dela, provavelmente eu fiz alguma careta de dor enquanto sentava.
          - Eu me chamo Josephine Ebonhart. - comentou enquanto servia os dois copos.
          - Sou Jacob Silverhawk, futuro capitão da maior embarcação que essa terra sem deuses irá ver - respondi em um ar confiante e dei um longo gole na bebida.
          - Ora, ora, então senhor Jacob, o que um pirata como você faz perdido na praia? - indagou Josephine enquanto me olhava com um ar curioso.
          Congelei por alguns instantes, se ela sabia que eu era um pirata, poderia facilmente me entregar para a guarda e lucrar mais do que as moedas que eu estaria devendo. Instintivamente olhei para o meu braço que estava todo enfaixado, é claro que ela saberia, afinal cuidou do meu corpo enquanto estava desmaiado e deve ter visto a marca que os piratas recebem quando são capturados.
          - Bem... - falei com a voz rouca - a tripulação da qual faço parte estava transportando uma mercadoria, mas ao que tudo indica minha corda não estava bem amarrada e fui jogado do navio durante a tempestade.
          - Como é lá fora? - perguntou ela com um olhar curioso, se debruçou sobre bar e inclinou seu corpo para perto do meu rosto, se fosse mais alguns centímetros eu conseguia sentir sua respiração, fiquei uns bons segundos perdido fitando seus olhos antes de responder.
           Senti meu rosto esquentar, juntei um pouco de ar e respondi.
          - É fascinante o sentimento de liberdade, viajar por todos os lugares e sentir a brisa do oceano - falei enquanto recordava algumas boas memórias.
          - Mas, vocês não pilham, saqueiam e fazem todas essas coisas ruins? - ela saiu de trás do bar e veio na minha direção sentando no banco que estava do meu lado.
          Olhando com mais clareza notei que tínhamos a mesma altura, e não havia percebido antes, mas Josephine também tem uma cauda que, por sinal estava segurando o seu copo de cerveja.
          - O nosso capitão deixou extremamente claro que devemos apenas saquear pessoas ruins - esclareci depois de dar mais um gole na bebida.
          - Pensei que você fosse o capitão, senhor Jake - disse ela com um ar travesso.
          - Estou trabalhando para isso, mas um dia eu irei ter a minha própria tripulação e você escutará histórias sobre Jacob, o Lorde dos Mares - respondi com um ar confiante e pomposo.
          - Porém, ao que tudo indica - deu um breve gole na bebida -, agora você não passa de um pequeno meio elfo com cabelos prateados e sem dinheiro - disse Josephine enquanto apontava para os meus bolsos.
          - Veja Josie - me ajeitei na cadeira e comecei a gesticular - talvez possamos resolver isso de outro jeito, assim ambos saímos ganhando e você não precisa me entregar para a guarda costeira.
          Ela colocou a mão no rosto e pensou por alguns segundos, minha garganta estava seca e eu não podia deixar minha ansiedade transparecer. Uma onzena atrás eu estava em uma prisão e não queria voltar de jeito nenhum, peguei o copo e bebi enquanto fitava Josephine.
          - Esses dois anéis que estão no seu colar parecem valiosos, se me dar os dois eu não falarei nada - disse ela enquanto apontava para o meu pescoço.
Aqueles anéis eram a única coisa que eu tinha desde que me lembro, quando fui encontrado ainda criança eles estavam comigo, talvez fossem dos meus pais ou de um outro ente querido.
Um dos membros da tripulação, Robert, é um especialista em joias e ele sempre analisava os tesouros para que fosse dividido por igual. Aos seus olhos, eles não tinham um grande valor, mas para mim era algo sentimental.
          - Apenas um - respondi firme, levantei e fiquei de frente para ela -, veja bem, eu não tenho nenhuma certeza que você não vai me entregar quando eu passar pela porta e estiver fora da sua vista.
          - Escute - tirei um dos anéis e coloquei na mesa -, você fica com este como garantia e quando eu encontrar o meu grupo, volto e lhe dou uma caixa de joias. Assim eu tenho minhas coisas de volta e você mais dinheiro do que poderia pensar.
          Josephine ponderou por alguns minutos e assentiu com a cabeça. Terminamos a garrafa de bebida e ela pegou outra, conversamos por longas horas e descobri que aquela hospedaria era onde trabalhava entregando bebidas e durante a noite fazia apresentações musicais.
Alguns dias se passaram e nos tornamos mais próximos, ensinei Josie a bater carteira de pessoas avoadas e ela tentou me ensinar a dançar, claramente sem êxito, içar velas e limpar o convés soava anos luz mais fácil do que isso.
          Josephine tentou me devolver o anel e afirmava que confiava na minha palavra, mas neguei e disse para manter ele.
          Sempre que andávamos pela cidade eu tinha vontade de dizer para ela que era a coisa mais linda que eu vi em anos. Diversas vezes durante os dias eu pensei em convidá-la para ir embora comigo, mas era arriscado e eu não tinha garantia nenhuma de que conseguiria mantê-la segura, afinal eu já havia sido preso diversas vezes e perdi as contas do quanto apanhei feito um cachorro.
Não posso mentir de que a ideia de abandonar tudo e viver uma vida tranquila na cidade portuária não passou pela minha cabeça, mas me mantive firme, eu tracei um objetivo e não poderia abrir mão dele. Resolvi então que iria aproveitar ao máximo o tempo que eu tinha.
          E essa foi a primeira semana com Josie, de um mês que parece ter passado rápido demais. No fim eu parti sem me despedir e deixando para trás um saco de moedas que juntei durante a minha estadia. No meu pescoço? Um único anel.
          Lembro de quando conheci ela, fazia sol e havia um vento refrescante que eu jamais irei me esquecer.